Autor: Gabriel Caetano

  • Vozes escapam cantando músicas tristes – A odisseia indie do Wilco

    Vozes escapam cantando músicas tristes – A odisseia indie do Wilco

    A coluna do Gilberto Almêndola, no Estadão, divulgou que o Wilco deve voltar ao Brasil para a edição de 2025 do C6 Fest. Eles são minha banda favorita e a notícia me deixou até sem condições de trabalhar. Fiquei EMBASBACADO!

    Este é um texto que escrevi quando o disco de maior sucesso comercial do Wilco completou 20 anos, em Setembro de 2021. Yankee Hotel Foxtrot foi pioneiro em distribuição online e fruto de uma longa gestação que dividiu o grupo. Aqui, tento contar melhor essa história.

    Um dos discos mais importantes dos anos 2000 e clássico instantâneo do rock alternativo. A história de Yankee Hotel Foxtrot, quarto álbum do Wilco, é o resultado de um conturbado processo criativo. Gravado em um loft em Chicago, é o marco da formatação de um novo Wilco e de uma série de paradigmas que ainda perduram no rock alternativo. Em razão de um desentendimento com a gravadora, que julgava suas músicas ‘invendáveis’ foi disponibilizado online e de graça, no site oficial da banda.

    Através de uma musicalidade sofisticada e ruídos que emulam uma transmissão de rádio, o disco pode ser descrito como uma antologia composta exclusivamente por baladas existenciais. Mesmo as faixas mais “agitadas” soam como confissões narradas sob uma ótica distorcida, expressando dificuldade em se reconhecer naquele tempo e espaço. Olhando com carinho para o que a vida já foi e observando o tempo escorrer por suas mãos.

    Don’t cry
    You can rely on me, honey
    You can come by any time you want.

    A capa estampa ainda uma horrorosa coincidência: a fotografia clicada por Sam Jones revela as torres gêmeas do Marina City, em Chicago, apresentadas em tons pasteis. O álbum foi lançado no dia 18 – semana seguinte ao atentado contra o World Trade Center. A correlação fez o público conspirar a respeito de seu conteúdo.

    Na capa do álbum, as torres do Edifício Marina City em Chicago. Projetado por Bertrand Goldberg.

    Premissas felizes e dias difíceis

    Após surgir das cinzas de uma banda chamada Uncle Tupelo, o Wilco nunca ficou preso ao mesmo som. Seus lançamentos mais recentes registram até hoje significativos saltos artísticos. Com três álbuns bem recebidos no catálogo e uma perspectiva promissora, naquele momento, o clima era ótimo para o próximo trabalho.

    Seria assim se não fossem as ambições artísticas. A música pregressa do Wilco estava demasiado enraizada ao circuito alt country, o irmão caipira do grunge, também oriundo da aurora dos anos 90. Jeff Tweedy, cantor, guitarrista e principal compositor, estava decidido a fazer algo diferente e enxergava essa carta branca como a oportunidade de dar um passo adiante. Credenciados a produzirem esse novo álbum sob as bênçãos de Howie Klein, então Presidente da Reprise Records, Era a primeira vez que o grupo trabalhava com liberdade criativa. sem as interferências da gravadora.

    Jeff é o tipo de perfeccionista que sabe distinguir a diferença entre o que é acerto e um erro. Isso travou a gravação, que levou semanas para ir além das demos, até que o baterista Ken Coomer por fosse substituído por Glenn Kotche. Quando pareciam engatar uma segunda marcha graças ao novo percussionista, a mixagem virou um novo ninho de problemas. Nada parecia agradar Jeff Tweedy, que já vinha se indispondo com o guitarrista (e oposição criativa) Jay Bennett.

    Tweedy impôs Jim O’Rourke como responsável pela mixagem com a intenção de trazer um ‘olhar de fora’ para o ambiente… Acabou dando certo. Assim, Jim ajudou com a produção do álbum, mas a harmonia já não tinha mais jeito. Músicas que tinham uma roupagem, ganharam outra completamente nova. Jay, co-autor de nove das onze faixas de Yankee Hotel Foxtrot e peça importante da banda, foi demitido com a conclusão do trabalho.

    Você pode comparar aqui a primeira versão de Kamera, com a final que entrou para o disco.

    Naquele momento, a Time Warner e a America Online passavam por uma fusão que resultou num grande jogo de cadeiras em todo o conglomerado. Howie Klein, padrinho do Wilco na Reprise também saiu de cena. Após a finalização do álbum e entrega do material à gravadora, os engravatados da companhia se mostraram insatisfeitos com o resultado e decidiram desligar o grupo do selo por considerar essas novas músicas “invendáveis”.

    No fim das contas, a banda foi contratada pela Nonesuch. Outro selo da Warner que pagou uma bolada para lançar o disco em abril de 2002. David Bither, presidente da companhia, fez o possível para fechar o contrato. Se a Reprise já havia bancado a produção, a Nonesuch teve de desembolsar mais grana para fechar o acordo.

    A mesma empresa que abriu mão do produto teve de comprá-lo de volta pagando mais. Rs.

    Um dos primeiros grandes clássicos do novo milênio

    Yankee Hotel Foxtrot é um registro incrível. Que duas décadas e meia após sua produção, ainda pode ser descrito como um disco de rock contemporâneo. E o rock mudou muito de lá pra cá. A ‘poesia cotidiana’ concebida por Tweedy evoca os fantasmas de uma incerteza (acerca de futuro, especialmente) que se apresentou para sua geração, e assombra todas as que vieram depois.

    O tom melancólico (Ashes of American Flags e Reservations) não descartou a essência pop que o Wilco havia apresentado em Summerteeth, disco predecessor que já trazia letras intimistas. Essa mesma veia pulsa em faixas como Heavy Metal Drummer ou Pot Kettle Black.

    Seria o primeiro disco de ouro do Wilco. Presente entre os 500 melhores álbuns escolhidos pela Rolling Stone (publicação especial de 2012, a lista foi refeita no ano passado e o álbum ganhou mais de 200 posições no ranking, subindo da 493 para 225).

    Ou escute no Tidal. Eu prefiro.

    Hipertexto e anexos

    Também escrevi sobre In The Aeroplane Over the Sea, outro disco clássico do rock alternativo. Em outro extra, também existe uma boa matéria na Vice sobre a história por trás da capa de Yankee Hotel Foxtrot.

  • A ficção distópica que melhor previu crise humanitária

    A ficção distópica que melhor previu crise humanitária

    Um futuro perturbador marcado pela infertilidade da espécie é a ficção que melhor representa o presente.

    Repressão que parte do estado, violência entre a própria população, uso exagerado de drogas, imigrantes presos em jaulas. São assuntos difíceis de tratar e muitas vezes negligenciados, porém, não é preciso muito se atentar a essas situações, ainda que de forma velada em nosso cotidiano. Filhos da Esperança parte dessa ideia.

    No futuro, em 2027, a humanidade está próxima do colapso porque nessa distopia as mulheres não conseguem mais gerar filhos. O controle de imigração também é severo e opressivo. Esse é o cenário em que Theo (Clive Owen), um herói moldado pela ocasião, se encontra. Ele vive inerte a realidade das ruas como empregado do governo e após ser sequestrado por um grupo ativista, reencontra laços com o passado em Julian (Julianne Moore), sua ex-esposa. Theo precisa conduzir a primeira gestante em anos para os cuidados de uma organização interessada no bem-estar e futuro da humanidade. Kee precisa ser cuidada, já que é uma imigrante ilegal e as autoridades se aproveitariam de alguma forma da sua gestação.

    Olhar alienado

    A indiferença do protagonista com o mundo é um ponto determinante para o desenrolar da trama. O título brasileiro do filme entrega a esperança como força motriz da trama, e de fato o é. Não é ocasional que pessoas se aglutinam em torno de veículos midiáticos, nem que o barco do projeto humanista, colocado como destino final para Theo é nomeado “O Amanhã”. Em meio ao caos absoluto, a esperança é o que resta e sua ausência também seria ausência de vida. Sem razão para seguir em frente e uma catástrofe iminente, o fim já está decretado.

    A construção narrativa de Filhos da Esperança se dá pelo estado de desequilíbrio instituído. Há conflitos gerais, mas sobre tudo humanitária. A câmera acompanha Theo, mas constantemente se desloca para revelar a distopia instaurada. São muitas as cenas que lembram os campos de concentração nazistas no constante desejo do diretor de enquadrar o caos e até mesmo a morte. É um trabalho em que Cuarón repete este recurso, já usado antes em E Sua Mãe Também (2001), é um artífice para contrastar a história de seus personagens com o plano de fundo daquele universo. Uma esfera maior.

    Há mais uma razão para a liberdade exercida pela câmera nos enquadramentos do filme.Essas tomadas perfeitamente orquestradas por Jim KlayGeoffrey Kirkland (Direção de Arte) e Emmanuel Lubezki (Fotografia), levam o espectador à vertigem imposta aos personagens.Isso é essencial para que o público desperte a ideia de que a camada principal é fruto da conjunção angustiante e sufocante em que se segue o entrecho.

    Reflexos no presente

    É interessante pensar que treze anos após seu lançamento, Filhos da Esperança esteja em tamanha sintonia com a realidade. A crise humanitária de 2006, poucos anos após o 11 de setembro persiste ainda hoje e ainda centrada na figura do presidente norte-americano. Naquela época a política de imigração se encontrava em estado austero pelas guerras impostas pelos Estados Unidos aos países do centro da Ásia. No atual contexto, é o México onde nasceu Alfonso Cuarón e outros países latino-americanos que estão em debate e no gritos reacionários dos gringos.

    As experiências quais somos submetidos todos os dias no século XXI se fazem claustrofóbicas porque também atravessamos tempos de inquietude e violência. Em confronto com Filhos da Esperança, há que se atentar a luta necessária para manter a sanidade, para prosseguir com a vida mesmo rodeado pelo caos. As circunstâncias dão razões para desconfiança generalizada, nas pessoas, nas instituições e enquanto indivíduo, é muito fácil internalizar esse conflito onipresente e extravasá-lo de maneira bastante perigosa.

    Em seu filme, Cuarón encontra no próximo, na confiança e cooperação humana a ponte para a esperança. A mensagem do diretor acerta em cheio nosso presente quando aponta nossa falta de humanidade e incapacidade de lidar com a vida. Isso só será reparado quando for entendido que nenhum ser humano é ilegal e que se o respeito para com as pessoas e suas histórias deve reavisto. Essa geração está mesmo comprometida e a esperança nasce todos os dias com uma nova aurora.

    Texto originalmente publicado no site Vortex Cultural.

  • A arte do encontro entre o encanto e a melancolia

    A arte do encontro entre o encanto e a melancolia

    Encontros e Desencontros de Sofia Coppola (ou Lost in Translation) é uma poesia lúcida sobre a vida que acontece de dentro para fora.

    Sofia Coppola tem um dom: sabe extrair a graça da tristeza e exprimi-la em tela. Sua obra, que aborda diferentes fases da vida – especialmente da feminina – se preocupa em observar da desolação que irrompe o tédio das vidas dos seres. Samba da Benção, a canção em que Vinícius de Morais e Baden Powell escreveram “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”, não tem a menor relação com o título que Lost in Translation recebeu no Brasil. Mas assim, solta, é perfeitamente relacionável com Encontros e Desencontros.

    Um pouco de amor na cadência

    No filme, Bob Harris (Bill Murray) é uma estrela de cinema em decadência que está em Tóquio para a gravação de um comercial de uísque, enquanto Charlotte (Scarlett Johansson), formada em filosofia, acompanha o marido, com quem é casada há dois anos e veio à cidade para fotografar uma banda local. Eles se conhecem no hotel, onde estão presos no espaço em razão de suas agendas, e dentro de si mesmos, graças a cultura estrangeira que os isola. Se Bob não vê a hora de voltar para casa enquanto sua equipe acumula compromissos em sua agenda. Charlotte parece desesperada para aproveitar a estadia naquela cidade luminosa, mas é impossibilitada pelo marido workaholic que vive a deixando de lado ao longo do filme. Há uma mútua empatia entre essas almas, que se entendem pelos problemas compartilhados e pelo entendimento que a vida é maior que a jaula em que se meteram.

    Por mais que os dois se divirtam, e eles tentam, a angústia e desconforto que ambos sentem paira no ar de Tóquio. Há um contraste incessante entre a comédia inerente à persona que Bill Murray encarna com a tristeza estampada na cara de Bob. Seu personagem é quem dita o ritmo do filme. Por mais que Charlotte tome iniciativa em algumas ações, é Harris quem administra a situação. São personagens simbióticos, pessoas à vagar pela vida, e à deriva das relações superficiais. Cheios de incertezas, pessoais e profissionais; Com dificuldades de se relacionar com passado, presente e futuro.

    Para fazer um samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza

    Um detalhe importante da obra é a expansão da solidão coletiva. Presente na obra da diretora em ‘As Virgens Suicidas‘. Charlotte é jovem e recém formada, Bob já tem vinte e cinco anos só de casamento. Por mais que a maioria das pessoas não tenham a possibilidade de seguir carreira assentada no intelecto e, muito menos, conhecer o Japão – uma alegoria para um local estranho e desconexo (a principal nota disso são os personagens japoneses, traçados de certa forma até agressiva – além dos estereótipos). Bob e Charlotte, nos momentos em que estão juntos, são contagiados um pelo outro. Ele, pela jovialidade e desinibição dela, enquanto ela, por sua autenticidade e firmeza.

    Almas desconexas da sociedade, que se reconhecem como gêmeas neste encontro. Mesmo com uma linguagem própria, distinta de filmes semelhantes e da própria filmografia da diretora, Encontros e Desencontros traz muitos traços da assinatura de Sofia Coppola em seu ritmo e estética, uma obra essencialmente bela e difícil de descrever. Há também a aproximação do conceito de felicidade volátil traçado por Nietzsche, de que na vida a verdadeira felicidade só pode ser experimentada em momentos pontuais.

    A bênção com um beijo

    Por um breve período, mesmo enquanto compartilhavam suas frustrações, o casal vivenciava uma conexão que culminaria naquele beijo de despedida. Beijo que é seguido pelo sussurro de Bob ao pé do ouvido de Charlotte, íntimo e terno, próprio da diretora. Eles desfrutaram, um ao lado do outro, a sensação de que são pessoas que fazem da vida algo valioso. Sofia Coppola desenhou um afeto particular e indescritível, quase que anti-romântico. São pessoas que nos servem como alívio, refúgio e depósito de esperanças. Então, é normal que pessoas se separem ao decorrer do percurso, mas o que verdadeiramente importa são os vínculos que temos agora. Como também cantou Vinícius: “é melhor ser alegre que ser triste”.

  • Como o álbum diferentão do Neutral Milk Hotel influenciou a Cultura Pop

    Como o álbum diferentão do Neutral Milk Hotel influenciou a Cultura Pop

    Inspirado na história de Annie Frank, Jeff Mangum plantou sua semente na cultura pop cantando letras que lembram um filme da sessão da tarde sobre um mundo de ternura e lisergia. A obra-prima do Neutral Milk Hotel completa de 25 anos.

    Uma estranheza que abraça

    Tinha por volta dos 19 anos quando escutei In the Aeroplane Over the Sea pela primeira vez. Fui fisgado de cara pela capa. Famosa e reproduzida a exaustão — a colagem de Chris Bilheimer (que já havia criado capas para o R.E.M.) sobre esse cartão postal. Baixei as .mp3 na comunidade Discografias do Orkut e dei o play no bom e velho WinAmp. Gostei, mas não bateu do jeito que esperava. Fiquei a entender o louvor que existe em torno do álbum, simbólico para o rock alternativo e que já constava nas listas de favoritos das minhas referências: Jeff TweedyAmanda PalmerGlen Phillips… Com o tempo e a maturidade, (acho que) entendi. Hoje é um daqueles discos que levaria para uma ilha deserta. E nesse aniversário de 25 anos da obra-prima do Neutral Milk Hotel, o fascínio persiste em torno de Jeff Mangum e sua música.

    Como a maioria de vocês não deve ter ouvido falar da banda, se faz necessária uma breve digressão. Mangum saiu de Ruston — uma cidadezinha de pouco mais de 20 mil habitantes em Louisiana e começou o Neutral Milk Hotel começou como um projeto soloAssim, adentrou na música sob influência de Daniel Johnston e produziu algumas demos em cassete que foram distribuídas pela internet. Então, em 1996, lançou o primeiro álbum do Neutral Milk HotelOn a Avery Island foi gravado em Denver e distribuído pela Merge Records — selo ainda pequeno, que com o tempo veio a abrigar um monte de artistas legaisJeff precisou recrutar uma banda, além do pessoal que o havia ajudado em estúdio.

    Viajando no avião sobre o mar

    Fiquei intrigado em entender como essa trupe, que não vendeu lá muita coisa, inspirou um circuito e estabeleceu um pequeno culto em torno dela. Insistindo, lendo e relendo as letras, me caiu a ficha que aquele material que tinha (no HD) em mãos, não era um disco para se ouvir de qualquer jeito.

    As músicas, em sua maioria guiadas pela voz e violão do líder da banda, tomaram forma para mim. Depois, comecei a entender aquelas outras faixas, repletas de gaitas irlandesas, trompetes, órgãos, serras musicais e outros instrumentos de nomes estranhos e sons malucos. Meio folk de Bob Dylan, meio noise rock do Velvet Underground. Foi como criança aprendendo a comer salada. Assim, amadureci minha relação com AeroplaneE com a música de modo geral também.

    Mangum usava sua voz para navegar entre a doçura e uma dor imensa, cantando sobre coisas que são ao mesmo tempo muito familiares e uma brutal viagem de LSD. Uma garota que nasceu com rosas nos olhos, um menino de duas cabeças e um suposto rei das flores de cenoura que havia construído uma torre entras as árvores. A descrição assusta, mas na falta de sentido, as coisas se encontram. O surrealismo das letras se abraça com o som dos trompetes como no lindo verso que batiza o álbum:

    ‘‘And one day we will die and our ashes will fly from the aeroplane over the sea But for now we are young let us lay in the sun
    And count every beautiful thing we can see
    Love to be in the arms of all I’m keeping here with me’’

    ‘‘E um dia nós morreremos e nossas cinzas voarão do avião sobre o mar
    Mas por enquanto nós somos jovens, deixe-nos deitar ao sol
    E contar cada coisa linda que podemos ver
    Amo estar nos braços de tudo que eu estou guardando aqui comigo’’

    Eco no Indie Rock

    Bandas estranhas são comuns, mas as capazes de substantificar seus conceitos, nem tanto. Esse é o ouro de In the Aeroplane Over the Sea. Seu ritmo é crescente, tem começo, meio, clímax e o fim muito bem definidos. O lampejo de o som servir como ingresso para um mundo mágico toma forma das ideias que partiram do compositor, mas não se sustentariam sem a atmosfera perfeita criada pela banda, como nos sopros de Scott Spillane, presentes em todas as faixas. São delicados, contidos e certeiros. Enquanto Jeff narra essa viagem, os instrumentos dão forma ao mundo onde habitam esses terrores, absurdos, e ainda assim, um lugar em que é possível encontrar conforto. Como foi com Alice em seu país das maravilhas.

    Mesmo sem ter lotado estádios, o Neutral Milk Hotel encontrou eco nos hipsters das gerações X e Y que abraçaram sua música. De 1998 pra cá, muita gente se debruçou sobre as letras e estrutura de sua música para entender melhor a arte da banda e de seu compositor. Embora se reconheçam algumas das reflexões de Jeff sobre amor, medo, violência e arrependimento, o resultado é quase sempre o mesmo: o de um tiro na água. Tem arte que é para entender, outras são para sentir. Esse é o caso aqui. Quando é assim, o melhor jeito de navegar da obra, é conhecendo melhor o artista. Esse vídeo da Pitchfork  é ótimo. Já vi um monte de vezes.

    Legado para a Cultura Pop

    25 anos depois, In the Aeroplane Over the Sea foi longe como não se imaginava. Inspirou bandas como o Arcade Fire, vencedora de Grammys, que veio a assinar também com a Merge Records. O Beirut e os Lumineers são outras bandas dessa geração que incorporaram pontos do Neutral Milk Hotel ao seu som. Porque mesmo tratando Isso faz com que aqueles cantos, como os dos bardos na mitologia celta, continuem a ser entoados através do tempo. Esse álbum, diferente e enigmático, cheio de limitações em sua produção, formou lendas como a presença do fantasma de Anne Frank em seu âmago. Não existe uma só magia que faça de Aeroplane um trabalho especial. É, sobretudo, uma banda que encontrou a sua própria voz e construiu um refúgio onde o estranho é acolhedor.