Como o álbum diferentão do Neutral Milk Hotel influenciou a Cultura Pop

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Inspirado na história de Annie Frank, Jeff Mangum plantou sua semente na cultura pop cantando letras que lembram um filme da sessão da tarde sobre um mundo de ternura e lisergia. A obra-prima do Neutral Milk Hotel completa de 25 anos.

Uma estranheza que abraça

Tinha por volta dos 19 anos quando escutei In the Aeroplane Over the Sea pela primeira vez. Fui fisgado de cara pela capa. Famosa e reproduzida a exaustão — a colagem de Chris Bilheimer (que já havia criado capas para o R.E.M.) sobre esse cartão postal. Baixei as .mp3 na comunidade Discografias do Orkut e dei o play no bom e velho WinAmp. Gostei, mas não bateu do jeito que esperava. Fiquei a entender o louvor que existe em torno do álbum, simbólico para o rock alternativo e que já constava nas listas de favoritos das minhas referências: Jeff TweedyAmanda PalmerGlen Phillips… Com o tempo e a maturidade, (acho que) entendi. Hoje é um daqueles discos que levaria para uma ilha deserta. E nesse aniversário de 25 anos da obra-prima do Neutral Milk Hotel, o fascínio persiste em torno de Jeff Mangum e sua música.

Como a maioria de vocês não deve ter ouvido falar da banda, se faz necessária uma breve digressão. Mangum saiu de Ruston — uma cidadezinha de pouco mais de 20 mil habitantes em Louisiana e começou o Neutral Milk Hotel começou como um projeto soloAssim, adentrou na música sob influência de Daniel Johnston e produziu algumas demos em cassete que foram distribuídas pela internet. Então, em 1996, lançou o primeiro álbum do Neutral Milk HotelOn a Avery Island foi gravado em Denver e distribuído pela Merge Records — selo ainda pequeno, que com o tempo veio a abrigar um monte de artistas legaisJeff precisou recrutar uma banda, além do pessoal que o havia ajudado em estúdio.

Viajando no avião sobre o mar

Fiquei intrigado em entender como essa trupe, que não vendeu lá muita coisa, inspirou um circuito e estabeleceu um pequeno culto em torno dela. Insistindo, lendo e relendo as letras, me caiu a ficha que aquele material que tinha (no HD) em mãos, não era um disco para se ouvir de qualquer jeito.

As músicas, em sua maioria guiadas pela voz e violão do líder da banda, tomaram forma para mim. Depois, comecei a entender aquelas outras faixas, repletas de gaitas irlandesas, trompetes, órgãos, serras musicais e outros instrumentos de nomes estranhos e sons malucos. Meio folk de Bob Dylan, meio noise rock do Velvet Underground. Foi como criança aprendendo a comer salada. Assim, amadureci minha relação com AeroplaneE com a música de modo geral também.

Mangum usava sua voz para navegar entre a doçura e uma dor imensa, cantando sobre coisas que são ao mesmo tempo muito familiares e uma brutal viagem de LSD. Uma garota que nasceu com rosas nos olhos, um menino de duas cabeças e um suposto rei das flores de cenoura que havia construído uma torre entras as árvores. A descrição assusta, mas na falta de sentido, as coisas se encontram. O surrealismo das letras se abraça com o som dos trompetes como no lindo verso que batiza o álbum:

‘‘And one day we will die and our ashes will fly from the aeroplane over the sea But for now we are young let us lay in the sun
And count every beautiful thing we can see
Love to be in the arms of all I’m keeping here with me’’

‘‘E um dia nós morreremos e nossas cinzas voarão do avião sobre o mar
Mas por enquanto nós somos jovens, deixe-nos deitar ao sol
E contar cada coisa linda que podemos ver
Amo estar nos braços de tudo que eu estou guardando aqui comigo’’

Eco no Indie Rock

Bandas estranhas são comuns, mas as capazes de substantificar seus conceitos, nem tanto. Esse é o ouro de In the Aeroplane Over the Sea. Seu ritmo é crescente, tem começo, meio, clímax e o fim muito bem definidos. O lampejo de o som servir como ingresso para um mundo mágico toma forma das ideias que partiram do compositor, mas não se sustentariam sem a atmosfera perfeita criada pela banda, como nos sopros de Scott Spillane, presentes em todas as faixas. São delicados, contidos e certeiros. Enquanto Jeff narra essa viagem, os instrumentos dão forma ao mundo onde habitam esses terrores, absurdos, e ainda assim, um lugar em que é possível encontrar conforto. Como foi com Alice em seu país das maravilhas.

Mesmo sem ter lotado estádios, o Neutral Milk Hotel encontrou eco nos hipsters das gerações X e Y que abraçaram sua música. De 1998 pra cá, muita gente se debruçou sobre as letras e estrutura de sua música para entender melhor a arte da banda e de seu compositor. Embora se reconheçam algumas das reflexões de Jeff sobre amor, medo, violência e arrependimento, o resultado é quase sempre o mesmo: o de um tiro na água. Tem arte que é para entender, outras são para sentir. Esse é o caso aqui. Quando é assim, o melhor jeito de navegar da obra, é conhecendo melhor o artista. Esse vídeo da Pitchfork  é ótimo. Já vi um monte de vezes.

Legado para a Cultura Pop

25 anos depois, In the Aeroplane Over the Sea foi longe como não se imaginava. Inspirou bandas como o Arcade Fire, vencedora de Grammys, que veio a assinar também com a Merge Records. O Beirut e os Lumineers são outras bandas dessa geração que incorporaram pontos do Neutral Milk Hotel ao seu som. Porque mesmo tratando Isso faz com que aqueles cantos, como os dos bardos na mitologia celta, continuem a ser entoados através do tempo. Esse álbum, diferente e enigmático, cheio de limitações em sua produção, formou lendas como a presença do fantasma de Anne Frank em seu âmago. Não existe uma só magia que faça de Aeroplane um trabalho especial. É, sobretudo, uma banda que encontrou a sua própria voz e construiu um refúgio onde o estranho é acolhedor.

Gabriel Caetano

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